domingo, 21 de dezembro de 2025

556 - A importância e a relevância dos Assistentes de Biblioteca Escolar

 

A importância e a relevância dos Assistentes de Biblioteca Escolar


A necessidade de Assistentes de Biblioteca Escolar está amplamente documentada e reconhecida em orientações nacionais e internacionais. As IFLA/UNESCO School Library Guidelines (2.ª ed., 2015) afirmam que “a riqueza e a qualidade de um programa de biblioteca escolar dependem essencialmente dos recursos humanos disponíveis”, sublinhando que “os aspetos operacionais das bibliotecas escolares são mais bem assegurados por pessoal de apoio técnico e administrativo devidamente formado”. Estas diretrizes reforçam que o library assistant apoia o trabalho do bibliotecário através de funções técnicas e tecnológicas, criando as condições para que o profissional exerça plenamente as suas responsabilidades pedagógicas, de gestão e de literacia.

A versão revista do Manifesto da Biblioteca Escolar (IFLA/UNESCO, 2025) afirma igualmente que “o programa de biblioteca escolar, destinado a toda a comunidade escolar, melhora e fortalece o processo de ensino e aprendizagem, através da ação de profissionais de biblioteca qualificados e de assistentes de biblioteca.”

No contexto português, o relatório fundador Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares (Veiga et al., 1997) previa já equipas completas, integrando os então designados “técnicos adjuntos de bibliotecas”, responsáveis pelo normal funcionamento da biblioteca, apoio aos utilizadores e execução das tarefas de tratamento documental. Esta visão foi atualizada pela Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) no documento Assistente de biblioteca escolar (RBE, 2022), que estabelece o perfil, as funções e as competências destes profissionais, recomendando expressamente a afetação de um ou dois assistentes em bibliotecas do 2.º e 3.º Ciclos e do Ensino Secundário.

O Conselho Nacional de Educação, na Recomendação n.º 4/2020, destaca o valor formativo dos Assistentes Operacionais e Técnicos, recomendando programas de formação contínua adaptados ao contexto educativo e à escola inclusiva.

A complexidade crescente das funções de biblioteca escolar requer, de acordo com a BAD e a RBE, a definição de um referencial de formação específico, abrangendo domínios como:

  • atendimento ao público e relações interpessoais;
  • trabalho em equipa;
  • organização e funcionamento da biblioteca escolar: recursos e serviços;
  • gestão e tratamento da documentação e da informação;
  • leitura e literatura infantojuvenil;
  • literacia da informação e dos media;
  • tecnologias da informação e da comunicação na ótica do utilizador.

 

Estes referenciais convergem numa mesma convicção: a biblioteca escolar eficaz depende de uma equipa integrada, onde o elemento não docente – o Assistente de Biblioteca – garante a qualidade e a continuidade do serviço educativo.

Funções do Assistente de Biblioteca Escolar

O Assistente de Biblioteca Escolar, pertencente às carreiras de Assistente Operacional ou Assistente Técnico, assegura a abertura permanente e o funcionamento regular da biblioteca. A sua presença permite o equilíbrio entre a gestão técnica, o atendimento e o apoio direto à comunidade educativa. As suas funções nucleares incluem:

  1. Apoio técnico-documental – colaboração na gestão e tratamento da coleção, alimentando bases de dados, realizando inventários, classificações e etiquetagens, e atualizando registos bibliográficos segundo normas da RBE.
  2. Serviço de referência e gestão diária – atendimento, orientação na pesquisa, apoio ao uso de recursos de informação, plataformas e equipamentos digitais.
  3. Assegurar o funcionamento da biblioteca – serviço de empréstimo, circulação documental, cumprimento das normas de funcionamento e gestão de prazos.

Consequências práticas da existência de Assistentes de Biblioteca

As bibliotecas escolares com Assistentes de Biblioteca mostram maior tempo de abertura ao público, melhor organização dos recursos, apoio mais eficaz a docentes e alunos, e projetos de leitura e literacia mais consistentes. Em sentido inverso, a ausência destes profissionais compromete o funcionamento diário da biblioteca, limita o acesso da comunidade e fragiliza o contributo da BE para a promoção da leitura, literacias e inclusão — especialmente em contextos socioeconómicos vulneráveis.

Assim, a existência destes profissionais não representa um luxo, mas uma condição essencial para o funcionamento pleno das Bibliotecas Escolares. Esta não é apenas uma questão de eficiência, é também uma questão de equidade. Quando uma escola luta por ter um assistente de biblioteca, está a defender não apenas a sua biblioteca, mas também o princípio de que todas as comunidades escolares merecem igualdade de acesso a serviços de qualidade.

 

Referências

International Federation of Library Associations and Institutions. (2002). The IFLA/UNESCO school library manifesto: The school library in teaching and learning for all. IFLA/UNESCO.

International Federation of Library Associations and Institutions; UNESCO. (2025). IFLA-UNESCO school library manifesto. IFLA. https://repository.ifla.org/items/c9f90a1b-dcb7-4c16-a11c-30b53b7b333d

International Federation of Library Associations and Institutions. (2015). IFLA/UNESCO school library guidelines (2nd rev. ed.). IFLA. https://repository.ifla.org/handle/20.500.14598/58

Portugal. Ministério da Educação. Rede de Bibliotecas Escolares. (2022, junho). Assistente de biblioteca escolar. RBE. https://rbe.mec.pt/np4/Assistente-de-biblioteca-escolar-doc.html

Portugal. Conselho Nacional de Educação. (2020, 23 de outubro). Recomendação n.º 4/2020. Diário da República, 2.ª série. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/recomendacao/4-2020-146202135

Veiga, I. (Coord.), Barroso, C., Calixto, J. A., Calçada, T., & Gaspar, T. (1997). Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares. Ministério da Educação. https://www.rbe.mec.pt/np4/%7B$clientServletPath%7D/?fileName=lancar_rbe.pdf&newsId=105

 

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

555 - Reflexões em torno da celebração do mês Internacional das Bibliotecas Escolares 2025

O Mês Internacional das Bibliotecas Escolares (MIBE), celebrado todos os anos em outubro, constitui um momento estratégico para reforçar o valor e a relevância das bibliotecas escolares junto das comunidades educativas. Mais do que um ritual de calendário, trata-se de uma oportunidade de visibilidade pública, de mobilização da comunidade escolar e de reforço da identidade da biblioteca como espaço de aprendizagem, cultura, cidadania e inovação. Em 2025, o tema escolhido pela Rede de Bibliotecas Escolares — “Para além das estantes: IA, bibliotecas e o futuro das histórias” https://www.rbe.mec.pt/np4/MIBE.html — introduz uma dimensão muito atual: o impacto das tecnologias emergentes, em particular da inteligência artificial (IA), sobre as formas de produção, mediação e consumo da informação e da literatura.

Este mote remete-nos para dois desafios centrais: por um lado, como integrar as ferramentas de IA no contexto da educação e da biblioteca escolar de forma crítica e criativa; por outro, como reafirmar a singularidade humana da leitura, da imaginação e da mediação cultural, num tempo em que os algoritmos começam a participar ativamente na geração de textos e histórias. Assim, o tema não é apenas tecnológico, mas profundamente pedagógico e ético, uma vez que nos obriga a refletir sobre autoria, criatividade, originalidade, direitos digitais e literacia crítica da informação.

A biblioteca escolar, pela sua missão, encontra-se num lugar privilegiado para assumir este debate. Ao contrário de outros espaços da escola, a biblioteca conjuga três dimensões fundamentais: o acesso universal ao conhecimento, a mediação pedagógica da leitura e da informação, e a promoção de uma cidadania ativa e consciente. Nesse sentido, o MIBE 2025 deve ser encarado como uma oportunidade para reposicionar a biblioteca no centro da escola, demonstrando que ela não se limita a ser “um espaço de livros”, mas um laboratório de literacias múltiplas: literacia da leitura, da informação, dos media e, agora, também literacia digital e de IA.

A introdução do tema da inteligência artificial na agenda das bibliotecas escolares é coerente com tendências internacionais. A IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions) tem sublinhado a necessidade de os bibliotecários assumirem um papel ativo na mediação tecnológica, não apenas garantindo acesso a ferramentas digitais, mas também formando cidadãos críticos capazes de compreender os mecanismos subjacentes às tecnologias emergentes. De igual modo, a UNESCO e a União Europeia defendem que a educação para a cidadania digital e para o pensamento crítico deve incluir a compreensão de como funcionam os algoritmos, como são produzidos os conteúdos digitais e quais os riscos e oportunidades associados.

Ora, a biblioteca escolar, ao explorar com alunos e professores as potencialidades e limitações da IA na criação de histórias, posiciona-se como um espaço de vanguarda e reflexão ética, e não apenas como um serviço de apoio ao estudo ou de mero uso do tempo livre. Ao propor atividades que contrastem narrativas produzidas por seres humanos e narrativas geradas por algoritmos, as bibliotecas tornam visível a especificidade da imaginação humana, mas também a necessidade de compreender criticamente as novas ferramentas.

Além disso, não se pode esquecer que o MIBE é também um momento privilegiado para práticas de promoção, marketing e advocacy. Muitas vezes, as bibliotecas escolares realizam atividades internas, restritas ao espaço da escola, sem a devida comunicação para além das suas paredes. Isso faz com que a sua ação, por mais relevante que seja, se torne invisível para a comunidade educativa mais alargada e para os decisores institucionais. Ao contrário, o MIBE deve ser encarado como um palco estratégico para mostrar resultados, evidências e impactos, quer através de dados concretos (estatísticas de utilização, número de empréstimos, frequência de atividades), quer através de narrativas humanas (testemunhos de alunos, professores, famílias).

O marketing e a comunicação são, assim, aliados fundamentais. A biblioteca deve pensar em campanhas visuais, notas de imprensa, exposições digitais e presenciais, conteúdos para redes sociais e colaborações com parceiros externos (autarquias, associações culturais, universidades), de modo a amplificar o alcance da sua mensagem. É importante recordar que o marketing em bibliotecas não se limita à promoção de serviços, mas corresponde a um conjunto de estratégias que visam alterar perceções e reforçar o reconhecimento social da biblioteca como instituição indispensável.

Neste contexto, o advocacy torna-se o ponto alto: é o ato de defender ativamente o direito à biblioteca escolar e o valor da sua existência. Celebrar o MIBE 2025 numa lógica de advocacy significa ir além da mera organização de atividades festivas: implica utilizar cada ação como um argumento visível, que mostre à comunidade educativa, aos pais, às autarquias e aos decisores políticos que a biblioteca escolar é um investimento que transforma vidas.

Por isso, as atividades propostas para este MIBE devem ter intencionalidade comunicativa e política. Cada sessão, oficina ou exposição deve estar associada a mensagens-chave: “a biblioteca liga a escola às tecnologias do futuro”, “a biblioteca é espaço de literacia crítica”, “a biblioteca garante acesso equitativo a narrativas plurais”, “a biblioteca humaniza o uso da inteligência artificial”. Ao transmitir estas mensagens de forma consistente, através de diferentes canais, os professores bibliotecários estarão não só a celebrar o MIBE, mas também a fortalecer a posição da biblioteca no ecossistema educativo.

Em suma, o tema “Para além das estantes: IA, bibliotecas e o futuro das histórias” oferece uma oportunidade para repensar a identidade da biblioteca escolar. Ao ligar tradição (a leitura, a narração oral, a literatura) e inovação (a IA, os algoritmos, as narrativas digitais), a biblioteca afirma-se como um espaço de mediação entre passado e futuro, capaz de acolher os desafios do presente sem perder a sua missão essencial: formar leitores críticos, cidadãos informados e comunidades mais conscientes.

Assim, o MIBE 2025 não deve ser encarado como mais uma comemoração, mas como um ato estratégico de promoção, marketing e advocacy, que reposiciona a biblioteca escolar no coração da escola e da sociedade.

Sugestões de atividades (promoção, marketing e advocacy) adaptadas ao tema

Para além das atividades mais ou menos usuais organizadas pelas bibliotecas, apresentam-se ideias passíveis e focadas para levar à prática.

 

Tipo de ação / fase

Descrição / exemplo prático

Objetivo de promoção / advocacy

Sessão inaugural “IA e narrativas: conversar o ontem e o amanhã”

Convidar um especialista em IA, escritor ou investigador para fazer uma palestra ou debate aberto com a comunidade escolar.

Elevar o estatuto da BE como espaço de reflexão contemporânea; atrair visibilidade institucional.

Exposições híbridas

Misturar exposições físicas e digitais com “versões” comparativas de narrativas humanas vs narrativas geradas por IA, mostrando como a IA pode “recontar” histórias.

Mostrar concretamente o impacto da IA nas narrativas; instigar curiosidade e diálogo com público mais amplo.

Oficinas “Escrita com IA vs Escrita humana”

Propor que os alunos redijam narrativas normalmente e, em paralelo, gerem narrativas com ferramentas de IA (sob orientação). Comparar, discutir vantagens, limitações e ética.

Tornar visível o valor do humano, valor da mediação e sensibilidade literária; posicionar a BE como espaço de literacia crítica.

Concursos criativos de prompts / microcontos IA

Criar um concurso em que os alunos formulam “prompts” que gerem narrativas por IA, depois adaptam ou revisitam essas narrativas.

Incentivar o protagonismo dos alunos; gerar conteúdos partilháveis nas redes da escola e comunidade.

Sarau “Histórias híbridas”

Evento literário onde alunos, professores e famílias leem e comentam narrativas humanas e produzidas por IA, seguidas de debates sobre autoria e originalidade.

Tornar a biblioteca visível como palco cultural; envolver diferentes segmentos da comunidade.

Ciclo de debates “Ética, criatividade e IA”

Painéis ou mesas-redondas com professores de ética, filosofia, informática ou parceiros externos para refletir com alunos.

Reforçar a BE como espaço de cidadania digital e mediação cultural.

Galeria de depoimentos “Histórias que inspiram – à moda humana”

Recolher testemunhos de professores, alunos, pais sobre narrativas ou leituras que transformaram suas vidas (sem IA).

Restaurar o valor humano da leitura e da mediação; humanizar a proposta da BE.

Publicação e partilha de dados de envolvimento

Infográficos mostrando quantos participantes nas oficinas, quantos prompts criados, número de leituras híbridas, etc.

Demonstrar resultados, reforçar a legitimidade da BE perante direção, comunidade e órgãos decisores.

Desafio “Biblioteca + IA nas redes”

Criar reels ou pequenos vídeos com comparações de textos gerados por IA vs textos do acervo da biblioteca, convidando seguidores a “adivinhar qual é qual”.

Aumentar o alcance digital da BE e gerar interação com público jovem e externo à escola.

Sessão de encerramento e “Memória híbrida”

Apresentar os resultados das atividades, divulgar os trabalhos produzidos (prompts, microcontos), entregar prémios e abrir um diálogo sobre futuros usos da IA na biblioteca.

Concluir com visibilidade, mostrar impacto e envolver autoridades escolares e externas.

 

João Paulo da Silva Proença

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Nota: Para a elaboração de sugestões para a celebração do Mês Internacional das Bibliotecas Escolares foi usada a Inteligência Artificial. 

Fontes:

European Commission. (2025, August 13). Ethical guidelines for educators on using artificial intelligence. European Education Area. https://education.ec.europa.eu/focus-topics/digital-education/action-plan/ethical-guidelines-for-educators-on-using-ai

IFLA. (2025, May 15). Declaração sobre direitos de autor e inteligência artificial [Post de blogue]. Blogue RBE. https://blogue.rbe.mec.pt/ifla-declaracao-sobre-direitos-de-autor-2952989

International Federation of Library Associations and Institutions. (2025, June 4). IFLA-UNESCO school library manifesto 2025. IFLA Repository. https://repository.ifla.org/items/c9f90a1b-dcb7-4c16-a11c-30b53b7b333d

RBE – Rede de Bibliotecas Escolares. (s.d.). Mês Internacional da Biblioteca Escolar (MIBE). https://www.rbe.mec.pt/np4/MIBE.html

UNESCO. (2025, February 21). Inteligência artificial e educação: O papel da IA nas políticas educacionais. UNESCO. https://www.unesco.org/pt/articles/inteligencia-artificial-e-educacao-o-papel-da-ia-nas-politicas-educacionais